No dia 1º de julho de 2021, foi publicada a Lei nº 14.181/2021, a qual promoveu diversas alterações no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso, voltadas ao tratamento das situações de superendividamento.
A lei consagra o princípio do crédito responsável – como norma imediatamente finalística – estabelecendo um estado ideal de coisas a ser buscado, sobretudo com regras que impõe condutas descritivas a serem adotadas pelo Poder Público e pelos fornecedores de crédito.
Para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor deverá o Poder Público implementar políticas públicas de prevenção de situações de superendividamento (art. 4º, IX e X do CDC) e instituir mecanismos de tratamento (art. 5º VI e VII do CDC).
Ainda, a lei reconhece como direito básico do consumidor a preservação do “mínimo existencial” (art. 6º, XI e XII, 54-A, § 1º do CDC), e cria instrumentos para conter os abusos perpetrados pelas concedentes de crédito aos idosos e vulneráveis, de forma a resguardar o suficiente para garantir uma vida digna.
Portanto, além de impor a prática leal e responsável das concedentes de crédito, a lei reconhece o superendividamento do consumidor como fator de exclusão social.
Em alinhamento ao dever de informação, passa a existir regra expressa prevendo que os contratos informem detalhadamente o custo total efetivo, a taxa dos juros de mora, o total de encargos, o direito a quitação antecipada (art. 54-B do CDC), bem como vedando que se oculte ou dificulte a compreensão sobre os ônus e os riscos decorrentes da contratação do crédito ou venda a prazo (art. 54-C, II do CDC).
A normativa impõe um dever jurídico de conduta aos fornecedores de crédito, de forma que não concedam créditos irresponsáveis (art. 54-D do CDC). A exemplo, passa a ser vedado na oferta de crédito “indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor”.
Notadamente, há um padrão ético de conduta a ser observado pelos fornecedores, como desdobramento da boa-fé objetiva, sob pena de sofrerem as consequências do superendividamento do consumidor, já que não laboraram para mitigar a própria perda (duty to mitigate the loss).
Em analogia ao que acontece com as empresas, o legislador criou uma espécie de recuperação para o consumidor, o chamado “processo de repactuação de dívidas”. O procedimento prestigia a solução consensual das partes, por intermédio dos núcleos de conciliação e mediação de conflitos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, mas, no caso de frustração da composição, passa a ser possível solicitar ao Poder Judiciário, através de processo judicial, a renegociação dos contratos, em razão de dívidas vencidas ou vincendas, apresentando um plano de pagamento de até 5 (cinco) anos para quitação.
Excepcionam-se a hipótese de renegociação dívidas contraídas mediante fraude ou má-fé, oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou que decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor (art. 54-A, § 3º). Ainda, excluem-se do processo de repactuação os contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e crédito rural (art. 104-A do CDC).
É preciso destacar, contudo, que o pedido de repactuação de dívidas realizado pelo consumidor não importará em declaração de insolvência civil.
Como se vê, a lei eleva o tratamento do superendividamento a condição de cultura a ser promovida não só pelas Instituições, mas pelos próprios agentes de mercado, em prol da não exclusão social do consumidor.
Sem dúvida, o intervencionismo estatal, em benefício de quem está em situação de superendividamento, decorre da falta de transparência e das usuais práticas abusivas do mercado de consumo na oferta de crédito. Através da nova lei, o legislador visa cessar tais condutas e evitar a exclusão social do consumidor, em resguardo do mínimo existencial.
José Antonio Chagas Azzolin.