Em 01/06/2021, foi sancionado o Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182/2021), o qual propõe um ambiente comercial favorável ao empreendedorismo e à inovação, com obrigações regulatórias simplificadas para as empresas que investem em tecnologia em estágio inicial.
Em seus primeiros artigos, a LC nº 182/2021 estabelece, dentre os princípios e diretrizes que a pautam, o reconhecimento do empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental e o incentivo à constituição de ambientes que lhe sejam favoráveis, como meio de promoção da produtividade e da competitividade da economia brasileira e de geração de postos de trabalho qualificados. Claramente, o legislador visa a estimular a criação, a formalização, o desenvolvimento e a consolidação dos agentes indutores de avanços tecnológicos e com potencial de enorme geração de emprego e renda em nosso País.
O art. 4º da LC nº 182/2021 é de grande relevância, porquanto, além de apresentar um conceito de startup, no qual se inserem “as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”, dita os requisitos para que uma empresa seja enquadrada como startup: (I) receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior; (ii) até 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; (iii) declaração em seu ato constitutivo da utilização de modelos de negócios inovadores ou enquadramento no regime especial Inova Simples
O Marco Legal das Startups também estabelece alterações na Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.), na medida em que cria uma espécie de Sociedade Anônima Simplificada, com possibilidade de a diretoria possuir somente um membro, sem necessidade da existência de um conselho de administração, bem como realizar suas publicações legais pela internet e adotar registro eletrônicos, em substituição aos livros tradicionais. A companhia necessariamente deverá possuir capital fechado e ter receita bruta anual até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais). Essa medida visa a reduzir a complexidade inerente a esse tipo societário e o alto custo correlato, de forma a possibilitar que mais startups optem por ele. Sabidamente, os investidores preferem este tipo societário, uma vez que lhes assegura uma maior governança e melhor proteção, o que tende a representar fomento de investimentos.
A LC nº 182/2021 ainda prevê diversas regras de investimento em startups por pessoa física ou jurídica, cujo aporte poderá resultar ou não em participação no capital social, a depender da modalidade de investimento escolhida pelas partes.
Foi reforçada a figura do “investidor anjo”, que recebeu especial atenção pelo legislador. Anteriormente previsto no art. 61-A da Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), trata-se de pessoa física, ou jurídica, que poderá receber participação sobre os resultados da empresa, sem, no entanto, integrar o quadro social, nem possuir direito à gerência ou a voto na administração da empresa. Com efeito, inexiste qualquer responsabilidade por dívidas da empresa, independente da sua natureza, nem mesmo em caso de recuperação judicial. Em suma, o investidor anjo fornece recursos para que a empresa possa se desenvolver e escale seu negócio e é remunerado pelo capital investido, nos termos do contratado.
Outrossim, como forma de incentivar o investimento nas startups nacionais, a lei permitiu que até mesmo fundos de investimentos, sejam eles nacionais ou internacionais, façam aportes de capital nessas empresas com os mesmos benefícios do investidor anjo, porém, com sujeição à regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários (LC nº 123/06 art. 61-D).
Ainda, a startup poderá receber investimentos através de contrato de subscrição de ações ou de quotas, contrato de opções de compra de ações ou quotas, através de emissão de debênture conversível (no caso de Sociedade Anônima), contrato de mútuo conversível em participação societária, estruturação de Sociedade em Conta de Participação – SCP, dentre outros.
Todavia, independentemente da forma de investimento escolhida, inicialmente esse aporte não integralizará o capital social da empresa, de forma que, além do investidor não se tornar sócio (até eventual e ulterior conversão – art. 5º, § 2º da LC nº 182/2021), os valores aportados de capital não são considerados receitas da sociedade, de forma que não haverá impacto no regime de tributação. De fato, o investidor anjo, seja pessoa física ou jurídica, somente será considerado quotista, acionista ou sócio da startup após a conversão do instrumento do aporte em efetiva e formal participação societária.
Portanto, nem mesmo o instituto de desconsideração da personalidade jurídica poderá ser aplicável em desfavor do investidor (art. 5º, II, da LC nº 182/2021.
Claramente, o Estado pretende criar um cenário de segurança jurídica ao investidor, regulamentando essas modalidades de investimentos, com o objetivo de fomentar a economia e incentivar a injeção de capital no empreendedorismo inovador.
Outro ponto, repisado pela lei, mas que ainda pende de regulamentação e implementação pelo Comitê Gestor, é o programa Inova Simples (LC nº 123/2006 art. 65-A) que consiste em um regime simplificado para a constituição e a criação de novas startups mediante a fixação de um rito sumário para abertura e encerramento de registro junto aos órgãos governamentais, dentre eles o próprio INPI para registro de marcas e patentes com regime prioritário, que são indispensáveis nesse segmento. Outrossim, as startups que vierem a usufruir do programa desfrutarão dos mesmos benefícios das empresas do Simples Nacional, dentre os quais: (i) apuração de pagamento de tributos de forma simplificada; (ii) entrega das declarações de forma simplificada; (iii) alíquotas reduzidas para impostos; (iv) disponibilidade de linhas de crédito específicas.
Além disso, destacam-se as disposições sobre o chamado sandbox regulatório, que nada mais é que um ambiente regulatório experimental previsto pela LC nº 182/2021 em favor das startups, permitindo simplificações por parte dos órgãos públicos e redução de burocracia, para garantir, através de um regime diferenciado, maior agilidade no processo de lançamento de novos produtos e serviços experimentais.
No sandbox, órgãos ou agências com competência de regulação setorial, podem estabelecer condições especiais e simplificadas, para que as startups recebam uma autorização temporária para desenvolvimento de seus negócios inovadores e testem técnicas e tecnologias. Caberá aos respectivos órgãos e agências instituir os critérios de seleção das empresas, as normas que serão afastadas e o prazo de desenvolvimento do respectivo projeto.
Como exemplo, o sandbox regulatório permitirá que uma Prefeitura Municipal facilite a liberação de um alvará de funcionamento a um determinado empreendimento inovador.
No entanto, é preciso ressalvar que o sandbox regulatório não significa que as startups poderão atuar livremente e sem qualquer fiscalização. Pelo contrário, a viabilização de procedimentos simplificados a eventual projeto anda de mãos dadas com o cumprimento do regramento que será oportunamente estabelecido, ainda que mais simplificado.
A propósito, este ambiente regulatório simplificado já é praticado pelo Banco Central há algum tempo, mesmo antes da edição da LC nº 182/2021. A autarquia federal, ciente de que a regulamentação burocrática do setor acabava inviabilizando alguns projetos promissores, instituiu um sandbox regulatório prevendo autorização simplificada e temporária para iniciativas transformadoras de startups voltadas ao sistema financeiro (fintechs).
Destacam-se também as disposições sobre os critérios diferenciados estabelecidos para contratação junto ao Poder Público. A LC nº 182/2021 reserva um capítulo somente para tratar da contratação de soluções inovadoras pelo Estado, com o intuito de facilitar a aquisição de soluções de startups inovadoras. Isso porque, a legislação ainda vigente e que regulamenta os procedimentos de compras públicas, devido às especificidades das exigências, acaba por inviabilizar a contratação de soluções inovadoras.
Logo, a LC nº 182/2021 possibilita – diferentemente das licitações comuns, em que a escolha pela melhor proposta, via de regra, decorre de fatores como preço e técnica –, por meio de uma modalidade especial de licitação, a escolha do licitante, a depender da inovação proposta pelo serviço ou produto.
Assim, o legislador prevê a hipótese de deflagração de procedimento licitatório para a contratação de teste de soluções inovadoras (art. 13 da LC nº 182/2021), por meio do qual a administração pública poderá indicar um problema a ser resolvido, incluído os desafios tecnológicos a serem superados e caberá aos licitantes propor diferentes meios para a resolução do problema.
O art. 13, § 4º, da LC nº 182/2021 estabelece alguns parâmetros de escolha, como o potencial de resolução dos problemas, grau de desenvolvimento da solução proposta, viabilidade e maturidade de negócio da solução, viabilidade econômica da proposta e demonstração comparativa do custo e benefício da proposta.
De regra, nessa modalidade especial de licitação para startups, a escolha da melhor proposta não é baseada no critério menor preço, e será possível a seleção de mais de uma proposta para celebração do Contrato Público para Solução Inovadora – CPSI. Ainda, mediante justificativa expressa, poderá ser dispensada a prestação de garantia para a contratação.
Sem a pretensão de exaustão do tema, passível, certamente, de análises mais aprofundadas, esses são alguns dos pontos relevantes suscitados pela LC nº 182/2021. Claramente, a lei poderia ter avançado em outros flancos, como, por exemplo, nas relações trabalhistas, de forma a permitir uma maior flexibilização dos contratos de trabalho. Não obstante, é preciso saudar os importantes avanços, os quais implicarão no inegável fomento do empreendedorismo inovador.
Embora a LC nº 182/2021 entre em vigor no dia 31/08/2021, após decorridos 90 dias de sua publicação oficial (ocorrida em 02/06/2021), naturalmente existem diversas questões que precisam de tempo para amadurecimento, sobretudo no que tange ao regime diferenciado nos processos licitatórios.
José Antonio Chagas Azzolin e Jonatan Machado Bitencourt.